Os moradores apelam à participação numa concentração no Jardim da Cova da Piedade na próxima Quinta-Feira, a partir das 15:00.
A Câmara Municipal de Almada (CMA), numa operação bárbara e brutal, demoliu, no espaço de menos de uma semana, mais de 80 casas, deixando muitas pessoas sem teto. Os números diferem conforme as fontes, não há um levantamento sério e atualizado das pessoas envolvidas, já houve inclusivamente enganos.
A justificação dada pela Sr.ª Presidente da CMA para esta brutalidade seria a necessidade urgente de protecção dos moradores cujas habitações correriam risco por se situarem sobre uma vala de drenagem em risco de derrocada. E, diz ainda, toda a gente teria acesso a uma solução de habitação digna.
Ao contrário do que o município declara, os relatos de habitantes e associações locais testemunham condições de realojamento altamente precárias e visivelmente insustentáveis a longo prazo. Muitas famílias foram obrigadas a aceitar soluções de realojamento fora do concelho, longe do trabalho, das escolas, das suas redes sociais de apoio. Algumas foram colocadas no parque de campismo de Monsanto e outras ainda em instituições onde têm horas de entrada e de saída, e os telemóveis são retirados à noite. Algumas famílias ainda foram excluídas do acesso a apoio, com base em acusações vagas de “terem chegado tarde” ou de “não apresentarem papéis suficientes”. Durante esta semana de demolições bárbaras, as associações locais conseguiram registar pelo menos 7 famílias que ficaram sem qualquer solução habitacional. Pessoas assim deslocadas e brutalmente retiradas da sua rotina, agora faltam ao trabalho ou à escola, acumulando problemas pelos quais serão depois penalizadas.
É a primeira vez que vemos usar o Porta de Entrada, desenhado para catástrofes naturais, em situações de desalojamento provocadas por uma câmara municipal. O que seria bom se não estivesse a servir para classificar de urgente, e portanto a legitimar soluções encontradas à pressa, indefensáveis quando houve tempo suficiente para que a câmara promovesse verdadeiras soluções de habitação adequada.
Uma catástrofe anunciada que poderia ter sido evitada com um planeamento atempado da CMA:
Os riscos associados à localização do bairro são, de facto, conhecidos publicamente há pelo menos uma década e é desde 2019 que a CMA fala em realojar os moradores do Segundo Torrão. Com base em dois relatórios, um produzido em 2019 pelo SMAS e o segundo em 2022 pelo SMPC, o município começou por anunciar a necessidade de realojamento em 2019, depois, em Junho de 2022, lançou “a emergência”, accionando um mecanismo de realojamento de urgência. Passaram três anos desde o primeiro anúncio do plano de realojamento, período durante o qual o município nunca demonstrou qualquer vontade de se aproximar do bairro e das pessoas com propósitos de conversa esclarecedora e construtiva sobre o assunto, tendo deixado sem resposta todas as tentativas feitas pelos moradores e associações solidárias no bairro no sentido de obter esclarecimentos e contribuir para uma solução. A esta lamentável atitude em relação às pessoas diretamente envolvidas acresce a falta de transparência em relação aos relatórios técnicos que a CMA invoca para justificar o realojamento emergencial: de momento, ninguém os conhece. Já solicitados por várias entidades, incluindo a Amnistia Internacional, os relatórios mantêm-se secretos. De facto, não se sabe o que poderá estar a impedir a publicação destes relatório, cujo conteúdo deveria há muito ter sido colocado à disposição dos interessados e ser do domínio público. O que é claro é que a situação de perigo causada pela vala danificada/obstruída, tendo piorado, só terá chegado a uma situação alarmante por total negligência da CMA, uma vez que a situação é conhecida há muito, tal como são conhecidos os riscos associados à localização do bairro.
No presente, a CMA falta transparência sobre como se vai processar o realojamento nem oferece garantias de realojamento estável.
Se a falta de diálogo, transparência e planeamento por parte do município têm caracterizado este processo durante muitos anos, a negligência da CMA parece de facto não ter fim à vista: até ao presente, não há informação clara sobre como se vai processar o realojamento nem garantias sobre o período em que irá incidir. Em 7 de Junho do corrente ano, a Sr.ª Presidente da Câmara convocou uma reunião extraordinária da Câmara Municipal, realizada à porta fechada, para informar os Vereadores sobre a necessidade de proceder à desocupação da parte superior da estrutura que cobre a vala existente no Bairro do 2º Torrão, na Trafaria (cerca de 90 casas). Nessa mesma data foram convocados os moradores para serem informados da possibilidade da demolição. Ao longo desta reunião, cuja convocatória não chegou a toda a gente, foi promovido o plano emergencial Porta de Entrada, assegurando que os técnicos sociais do município iriam proceder a um acompanhamento -caso a caso- e que os moradores afetados iam ser beneficiários de uma comparticipação financeira destinada a suportar os encargos relativos ao arrendamento de uma habitação (apoio que segundo a Porta de Entrada varia entre os 18 e 30 meses). Foi também vislumbrada a possibilidade de realojamento permanente em 95 novos fogos que -assegura a Câmara – estão atualmente em construção. Em ambos os casos, os habitantes deixaram a reunião sem garantias escritas quanto às soluções dignas de alojamento temporário nem sobre o realojamento permanente que a câmara promete para a comunidade do 2º torrão para 2025. O prazo dado para desocupar as habitações foi o final de Agosto, depois alargado para o final de Setembro. O acompanhamento dos técnicos nas semanas seguintes mostrou-se largamente insuficiente e, face às dificuldades de encontrar casas na zona onde os moradores têm a vida, muitos moradores foram aconselhados a procurarem outro lugar por conta própria, como se fosse possível, neste momento, arrendar casa a preços comportáveis.
Debaixo da pressão monstruosa de ver as suas vidas ameaçadas e sem qualquer possibilidade de diálogo, as associações de solidariedade local optam pela interposição de várias providências cautelares as quais, pela acção de advogados pro bono conseguiram manter de pé algumas das casas, pelo menos até que um realojamento adequado seja apresentado. É o reconhecimento por via legal de que havia a obrigação de assegurar o realojamento às famílias a quem foi demolida a casa.
Enquanto o plano de realojamento está a revelar-se totalmente inadequado às necessidades dos agregados afetados, o cenário para quem continua a residir no bairro é de guerra: pedaços de parede, ferros enferrujados, coberturas amianto, os escombros não foram recolhidos pela CMA, demonstrando afinal pouca preocupação com a segurança das pessoas. Como se as vidas delas fosse de natureza diferente da de qualquer outro de nós -incluindo autarcas ou jornalistas. Finalmente, soubemos que houve pessoas afrodescendentes convidadas a regressar ao país de origem, a forma mais insidiosa de racismo institucional, também aqui presente.
Ficam ainda as questões/ muitas questões permanecem em aberto:
– Por que razão, estes relatórios, com base nos quais se justifica a destruição de uma comunidade e soluções habitacionais largamente inadequadas, não são do domínio público?
– Porque é que a câmara, que está consciente dos problemas estruturais da zona há pelo menos uma década, não planeou com antecedência o realojamento da comunidade do Segundo Torrão, recorrendo a um mecanismo de realojamento de emergência depois de demolidas as casas?
– A ativação do realojamento de emergência, como se de uma catástrofe natural e imprevisível se tratasse, parece representar um mecanismo através do qual a CMA pretende promover a expulsão violenta da comunidade de habitantes, livrando-se da responsabilidade pública pelo destino dessas famílias.
– Que garantias têm as famílias que foram agora realojadas de que existirá uma solução definitiva de habitação para elas e não um apoio ao arrendamento que, ao terminar, as deixa com rendas incomportáveis?
– Que enquadramento tem a solução de receber 150€ para ir dormir duas noites e qual a continuidade que se espera?
– Que critérios estão a ser utilizados para excluir pessoas do direito ao realojamento?
– Que podem os restantes moradores do 2º Torrão esperar da CMA?
Relembramos o que diz a Lei de Bases da Habitação, Artigo 13º, n.4: “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei…”
Exigimos que:
– Parem as demolições violentas e sem alternativa
– Procedam à remoção dos escombros e à limpeza do bairro
– Procedam ao apuramento sério da situação social das famílias e encontrem soluções dignas para as pessoas já desalojadas, tendo em conta, igualmente, a existência de crianças e a necessidade de acautelar a sua estabilidade.
Os moradores do 2º Torrão têm estas e outras questões para reflectir e apresentar à CMA, pelo que estarão em concentração no Jardim da Cova da Piedade na próxima Quinta-Feira, a partir das 15:00.h
Juntemo-nos a eles!
Associação Habita!
Stop Despjos