A taxa de esforço é uma fórmula que mede o peso de um bem ou serviço no total de rendimentos disponíveis de uma família:
Taxa de esforço = (encargos financeiros / rendimento) x 100.
Esta fórmula é usada pelas instituições de crédito para calcular a capacidade dos devedores de reembolsarem uma dívida. [1] É também usada pelo Governo, que na Lei do Arrendamento Acessível[1], de 2019, limita as rendas contratadas ao abrigo dessa lei a um máximo de 35 % do rendimento familiar.
Em busca de um conceito útil de taxa de esforço para os custos de habitação
O quadro acima baseia-se em dois conceitos: a taxa de esforço com habitação e o limiar de pobreza[2]; há ainda outra fórmula escondida por trás destas duas: o rendimento per capita dos membros do agregado doméstico. Estas fórmulas, se apenas nos preocuparmos em compreender o seu sentido matemático, se perdermos de vista o seu significado político, podem tornar-se perniciosas. Por isso subordinámos a sua aplicação a um conjunto de princípios:
A taxa de esforço deve ser calculada sobre o rendimento disponível, líquido de impostos, contribuições e subsídios, e não sobre o rendimento bruto.
Deve ter em conta a dimensão do agregado doméstico [3], porque dois rendimentos do mesmo nível (suponhamos, 1200 €/mês) não representam o mesmo valor útil num agregado constituído por 1 pessoa e noutro com 4 pessoas.
Para calcular o efeito da dimensão do agregado doméstico, as entidades oficiais usam a fórmula do «adulto equivalente» [4]. Este truque disfarça drasticamente os níveis de pobreza, permitindo aos poderes públicos afirmar que a situação da população não é tão miserável quanto isso … O truque consiste em contabilizar uma família com 2 adultos e 2 crianças (= 4 pessoas) como sendo apenas 2,1 pessoas. Os cálculos do nosso quadro contabilizam cada pessoa, seja qual for a sua idade, como um ser humano inteiro.
Os custos de habitação não se reduzem à renda paga ao senhorio ou ao banco; um lar não se reduz a 4 paredes e um tecto, nem é digno desse nome se não tiver água, energia e várias outras condições mínimas; portanto esses custos devem fazer parte do cálculo dos encargos da habitação do agregado doméstico.
Não basta velar para que os encargos com habitação não excedam 35 % do rendimento total do agregado. Se uma pessoa celibatária ganhar 600 € e tiver uma renda de 200 €, encontra-se abaixo do limite de 35 % de taxa de esforço com habitação aconselhada pelo Governo; mas apenas lhe sobram para viver 400 €, o que fica bem abaixo da linha oficial de pobreza! Portanto é preciso conjugar os dois critérios: limite da taxa de esforço e linha de pobreza. É isso que está expresso no quadro interactivo deste artigo.
O «limiar de risco de pobreza», na sua versão oficial, deve ser visto com alguma reserva, pois o método de cálculo desse limite tem muito que se lhe diga:
Não entra em linha de conta com o custo de vida, como seria intuitivo; é calculado simplesmente a 60 % do rendimento mediano[5] da população. Isto é perverso, visto que quanto mais caem os salários da maioria da população, mais baixo fica o limiar de pobreza. Por exemplo, quando o rendimento mediano for 1000 euros, o limiar de pobreza será 600 euros; mas se os salários diminuírem ou o desemprego aumentar e o rendimento mediano passar a ser 800 euros, o limiar de pobreza cai para 480 euros – ainda que o custo de vida se tenha mantido ou mesmo subido. Por outras palavras, o aumento da miséria salarial pode ser apresentado pelo Governo como uma diminuição geral da miséria!
A estatística oficial, ao calcular o limiar de risco de pobreza, usa critérios que escondem a realidade, nomeadamente calculando não o rendimento real dos agregados domésticos, mas sim o seu «rendimento equivalente».
Além destes aspectos, é preciso ter em conta que as condições de vida e o seu custo variam muito de região para região; que as necessidades elementares, e respectivos custos, não são exactamente iguais para toda a gente, em todos os lugares e em todos os sectores de actividade. Em suma, as fórmulas usadas pelas autoridades públicas, além de terem aspectos perversos e métodos inadequados, apenas nos podem dar uma visão muito grosseira da realidade – a vida das pessoas não cabe dentro dessas fórmulas simplórias. Apesar de todas estas limitações, basta experimentar introduzir alguns valores no quadro acima para verificarmos que é fácil, nas condições actuais, as rendas praticadas actualmente nas zonas urbanas irem muito além das possibilidades do cidadão comum.
Notas
a, bO Banco de Portugal emite regularmente normas e recomendações sobre os limites da taxa de esforço, definindo-a assim no seu glossário: «Proporção do rendimento de um agregado familiar afecto ao pagamento de um empréstimo. Pretende medir a capacidade do agregado em cumprir as responsabilidades assumidas com um empréstimo». Em 2010, o Governo, através do Decreto-Lei 43/2010 («Porta 65 Jovem», programa de apoio ao arrendamento), estabeleceu como critério para subsídio às rendas uma taxa de esforço máxima de 60 %. Nem os bancos ousavam ir tão longe! Esta barbaridade foi de alguma forma corrigida no novo Programa de Arrendamento Acessível (maio/2019, ver aqui e aqui), que estabelece como critério uma taxa de esforço máxima de 35 % para as rendas contratadas ao abrigo da nova lei (nos casos em que os senhorios aceitem aderir a ela).
^«Limiar do rendimento abaixo do qual se considera que uma família se encontra em risco de pobreza. Este valor foi convencionado pela Comissão Europeia como sendo o correspondente a 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente de cada país», in INE, «Linha de Pobreza». Ver também INE, «Privação Material» e «Privação Material Severa».
^«Agregado doméstico privado» (em linguagem mais comum, embora menos rigorosa, também chamado «agregado familiar»): «Conjunto de pessoas que residem no mesmo alojamento e cujas despesas fundamentais ou básicas (alimentação, alojamento) são suportadas conjuntamente, independentemente da existência ou não de laços de parentesco (…)», in INE, «Agregado Doméstico Privado».
^«(…) escala de equivalência modificada da OCDE que atribui um peso de 1 ao primeiro adulto de um agregado, 0,5 aos restantes adultos e 0,3 a cada criança, dentro de cada agregado. Consideram-se adultos para efeito deste cálculo os indivíduos com 14 e mais anos», in INE, «Adulto Equivalente».
^O «rendimento mediano» indica o rendimento máximo da metade mais pobre da população. Em 2017 o rendimento mediano dos portugueses era de 779 €/mês, ou seja, era essa a quantia máxima que metade dos portugueses tinha para viver durante um mês. Estes números, contudo, variam muito consoante as fontes, porque diferentes entidades fazem as contas de diferentes maneiras.
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