Renda Segura: como salvar os proprietários do AL sem resolver a crise da habitação

Resgatar os bancos e condenar a habitação
Maio 22, 2020
A política de remoções de favelas na preparação do Rio Olímpico e a construção do Museu das Remoções
Maio 27, 2020
Mostrar tudo
Habita!

A Câmara Municipal de Lisboa inaugurou na passada segunda-feira o programa Renda Segura, um mecanismo através do qual o município vai pagar preços de mercado pelos apartamentos e casas vazias e depois irá subalugá-los com o programa Renda Acessível; os proprietários, para além de verem os seus rendimentos salvaguardados desta forma, terão direito a incentivos fiscais. 

Um dos objectivos declarados é salvaguardar os rendimentos dos proprietários, especialmente do Alojamento Local. Recordamos que só na cidade de Lisboa existem mais de 22.000 AL e que 67% dos proprietários têm mais do que uma propriedade para uso turístico. A fim de salvaguardar os rendimentos daqueles que contribuíram para a destruição do tecido social da cidade, a Câmara Municipal irá gastar muitos recursos públicos para pagar a renda a um custo desproporcionado para os rendimentos dos cidadãos de Lisboa. Um T0 450 euros, um T1 600 euros, um T2 800 euros. Em vez de investir na reabilitação do parque habitacional público (que tem centenas de fogos vazios) para habitação social de qualidade, ou simplesmente celebrar contratos de arrendamento a preços razoáveis, a Câmara Municipal prefere manter os preços de um mercado que claramente precisa de ser salvo. É interessante notar que quando é preciso regular o mercado para baixar os preços das renda – insuportáveis para a maioria – dizem-nos que o mercado é livre; mas que quando é para manter os preços elevados e garantir rendimentos aos senhorios os poderes públicos intervêm para bloquear a tendência.

Abriram hoje as inscrições do Renda Segura. A CML arrenda casas aos proprietários da cidade e depois subarrenda a jovens e famílias das classes médias.
As vantagens para os proprietários são claras: rendas atrativas e sem risco, isenção total de tributação dos rendimentos e sobre o imóvel (IRS, IRC e IMI), possibilidade de adiantamento até 3 anos de renda, processo rápido e desburocratizado. Há condições especiais para imóveis afetos hoje a alojamento local.

E-mail enviado pela CMLisboa a anunciar o programa Renda Segura

Outra questão que se coloca está relacionada com a precariedade destas medidas. Quem garante que, uma vez regressado o turismo de massas (será que vai regressar?), estes proprietários não voltarão rapidamente aos lucros rápidos dos AL?  O que acontecerá uma vez findos estes contratos? As famílias voltam de novo à completa insegurança? e ao risco de despejo? O dinheiro público gasto na Renda Segura seria ainda mais desperdiçado e os direitos dos inquilinos seriam de novo espezinhados.

A Renda Segura junta-se a outros programas como o Renda Acessível, “para jovens e classe média”, e é mais uma peça do triste mosaico classista que a Câmara Municipal está a compor.A associação Habita opõe-se profundamente a este tipo de programas: acreditamos que o dinheiro público deve ser investido para garantir o direito a uma casa digna para todos e todas, mantendo a estabilidade e a segurança a longo prazo e não para salvar empresas. Este programa não assegura essa estabilidade.

Estabelecer um limite máximo para as rendas com base nos salários reais dos habitantes, penalizar fortemente as casas vazias e ao fim de x tempo expropria-las, requisita-las, exercer o direito de preferência a preços não especulativos, etc. São múltiplas ações possíveis de aplicar para responder à crise e emergência habitacional que existia e se vai aprofundar

Regulemos o mercado pelos direitos fundamentais e não pelos lucros.