Quebrar o silêncio, defender o direito à habitação

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Habita!

Se a crise de habitação já era uma lamentável realidade antes da crise pandémica, atualmente um número crescente de pessoas vê ainda mais difícil e incerta a sua situação habitacional. O desemprego e a enorme perda de rendimentos tem deixado muita gente à beira da rotura, os aumentos salariais e das pensões são irrisórios e a possibilidade de entreajuda familiar, já desgastada pela ultima década, deteriora-se. Muitas pessoas não conseguem pagar as rendas e sofrem enormes pressões dos senhorios. Muitas não aguentam e abandonam as casas que habitam ou são expulsas por proprietários que não cumprem a suspensão dos despejos.

As medidas para responder à crise de habitação têm sido insuficientes do ponto de vista estrutural ou na resposta à emergência do momento. Se assim não fosse, não teríamos o aumento do número de pessoas sem abrigo (que se amontoa em ginásios, abrigos colectivos, ou vivendo sem local fixo), não teríamos um número crescente de pessoas a viver em barracas sem água sequer para lavar as mãos, não teríamos tantos jovens desempregados a abandonar as casas que partilhavam e que deixaram de conseguir pagar, não teríamos famílias que perdem a casa, não teríamos o aumento de famílias em sobrelotação e o aumento da infecção Covid19 dentro de casa. Os programas de suspensão da renda duraram menos do que o necessário e transformaram-se em dívida, o apoio ao pagamento da renda pelo IHRU mostrou o quão limitado era.

Apesar da quebra do turismo, o preço das casas não caiu o necessário para que o mercado se torne razoável e seja novamente possível habitar de acordo com os rendimentos. Esta crise veio reafirmar a enorme vulnerabilidade económica de um país que se deixou tornar dependente deste sector de baixa produtividade, sector que paga mal e assim contribuiu para a crise e desigualdade na habitação.

O mercado imobiliário esteve em alta durante vários meses da pandemia e os vistos gold, ao contrário das promessas do governo, não acabaram. Aproveitando-se deste momento de crise, os fundos preparam-se para açambarcar os chamados activos imobiliários.

Os construtores e promotores imobiliários vêm pedir mais subsídios, mais isenções fiscais e parcerias para continuar a construir e a fazer aumentar a oferta no mercado privado. Querem, com o apoio do dinheiro público, continuar a ganhar dinheiro, promovendo a ideia falsa de que é o aumento da oferta privada de habitação que vai resolver os problemas de acesso a habitação. O aumento de oferta de habitação das últimas décadas nunca fez baixar os preços e não é agora que o fará. Os especuladores, responsáveis pela crise de habitação, não podem ser recompensados com dinheiro público para fingir que fazem parte da solução. As soluções devem ser habitação pública e regulação contra a especulação.

O governo anuncia, recorrentemente, que agora é que vai promover a habitação pública, agora é que vai converter património do Estado em habitação, agora é que vai acabar com os Vistos Gold. No entanto, essas promessas não saem do papel há vários anos. Por outro lado, preocupa-nos que no decreto-Lei n.º 81/2020, do início do mês de Outubro, se tenha acrescentado que o IHRU passa a participar em “sociedades, fundos de investimento imobiliário, consórcios, parcerias públicas e público-privadas e outras formas de associação (…)”. Esperemos que esta não seja a via privilegiada de resolução do problema de habitação: subsídios públicos ao negócio privado que não resolvem o problema da habitação.  Gasto público deve servir para habitação pública.

As promessas do governo têm alguns problemas fundamentais:

1) o governo não tem vindo a cumprir os seus compromissos em matéria de habitação:
a) estamos praticamente no fim de 2020 e, ao contrário do prometido, não acabou com os vistos gold;
b) os anúncios de habitação pública, através do programa Primeiro Direito, tem níveis de execução orçamental insignificante e assim, nos últimos anos, nunca foi sequer cumprido o magro orçamento para habitação pública que tinha sido anunciado e votado por uma maioria parlamentar; E fica por saber qual a capacidade das autarquias, altamente pressionadas, para acompanharem a parte que lhes compete (cerca de metade do investimento necessário).
c) para o ano de 2021 não é sequer claro no orçamento qual o valor que será afeto a esta área.

2) Por outro lado, não é suficiente anunciar o desenvolvimento de habitação pública. Além da demora deste projeto em sair do papel, será sempre um processo de médio/ longo prazo, em quantidade insuficiente para responder às necessidades da crise social e habitacional que temos hoje. Apesar da importância fundamental do aumento do parque público, a habitação em Portugal está esmagadoramente no sector privado e, por isso, é fundamental regular as rendas e dar estabilidade aos contratos desde já. É urgente e determinante impedir rendas abusivas e a espoliação das pessoas através da remuneração especulativa de rendas que em nada contribuem para o desenvolvimento económico do país.

3) A continuação dos vistos gold e do programa de fuga fiscal, o regime dos residentes não habituais é responsável pelo desgaste do mercado de arrendamento, orientação para a venda a preços nada têm que ver com o contexto de quem vive e trabalha em Portugal.

4) Programas para alojamento de emergência e outros anunciados ficam sempre muito aquém das necessidades. São pequenos programas que nunca serão suficientes para responder à dimensão de um problema que é estrutural. O Porta65 Jovem anuncia subsídios às rendas, no entanto apenas subsidia rendas com determinados limites que não existem na realidade, e por isso, não funciona onde faz mais falta.

Perante a crise pandémica e todos os problemas económicos e sociais decorrentes, a habitação não pode continuar a ser fator de agravamento da pobreza e da desigualdade. A política de habitação é crucial para responder à crise sanitária, social e económica.

Por isso neste mês de discussão do orçamento vimos relembrar a questão da habitação a todas as forças parlamentares e ao governo. O silêncio sobre este tema é ensurdecedor. Por isso HOJE fazemos barulho pela Habitação!

Exigimos:

– Investimento em habitação pública e um orçamento que cumpra, que execute, efectivamente, o que diz;

– Clareza na definição das rubricas sobre investimento em habitação pública no Orçamento do Estado, de forma que a sociedade consiga estar informada e envolvida nessa discussão;

– Que as verbas públicas não sirvam para parceiras público-privadas ou para financiar o mercado privado especulativo ou as chamadas “rendas acessíveis”, que não o são;

– O fim imediato dos vistos gold e do regime dos residentes não habituais;

– A regulação de preços para acabar com rendas abusivas; A regulação de tetos de renda não pode continuar a ser tabu: Berlim e Catalunha estão já a regular os preços do arrendamento, e esta legislação vai estender-se a todo o Estado espanhol.

– Diferenciação entre grandes e pequenos proprietários, impondo aos grandes especuladores responsabilidades, impedindo que tenham casas vazias e promovam despejos;

– A requisição das casas que são deixadas vazias, para responder à emergência na habitação;

– o cancelamento das rendas para quem não pode pagar durante a crise sanitária e social;

– O impedimento de despejos durante a pandemia, mas também para além desta, sempre que não haja alternativa de habitação adequada.

Acção pela Habitação

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