O Orçamento de Estado 2020 está escrito na proposta de lei 5/XIV, no Relatório do Orçamento de Estado 2020 e nos mapas orçamentais I a XXI.
A opacidade é inaceitável num documento que determina as opções políticas do estado e, mais a mais, quando se diz, na introdução do Relatório, querer ser “comunicação mais clara, transparente e informativa”.
No que à Habitação diz respeito, uma coisa básica seria perceber que dinheiro existe para os programas alegadamente fundamentais da Nova Geração de Políticas de Habitação. Da proposta de lei 5/XIV ficamos a saber que o IHRU vai receber até 135 milhões de euros[1] para políticas de promoção de habitação. Desses, 85 milhões são provenientes de impostos e 50 milhões vêm de empréstimo do banco europeu de investimento. Já o Relatório fala em 180 milhões, dos quais 150 são para apoio a políticas de habitação. Finalmente, no mapa VII, despesas dos serviços e fundos autónomos, são 184 milhões atribuídos ao IHRU.
No resto da documentação, como os números aparecem agregados por ministério, não se consegue distinguir o que vai para Habitação e o que vai para Ferrovia.
Há contradições gritantes entre a propaganda do Relatório, a parte “explicativa” em que se repetem os desejos de “responder aos anseios de melhoria das condições de vida dos Portugueses”, e o articulado da lei ou as tabelas de despesas. Por exemplo:
Um orçamento do estado é onde ficam inscritas as opções políticas de um governo: ao que é importante, destina-se despesa. Ao fim de um ano em que o Governo não pôde deixar de reconhecer que o problema da Habitação aflige uma grande parte das famílias e que as mais vulneráveis estão totalmente desprotegidas, o ano em que o parlamento aprovou uma Lei de Bases da Habitação que se esperaria tivesse vindo reforçar o direito inscrito na constituição, o Governo destina a este problema uma quantia irrisória: os 135 milhões de euros que o IHRU vai receber são menos de ¼ dos 600 milhões que vai receber, mais uma vez, o Novo Banco. O qual, recorde-se, já recebeu vários milhares de milhões nos anos anteriores. O governo prefere assumir e fazer-nos pagar os prejuízos da banca privada que prover-nos com habitação decente.
Nada de novo, já que o serviço da dívida pública, que leva, de longe, a maior fatia orçamental: são mais de 119 mil milhões de euros, quase 70% da despesa do estado.
Lembremo-nos que a dívida pública não foi criada por investimento excessivo em habitação, por exemplo. Foi criada em grande parte a partir de resgates milionários e de vendas ruinosas de bancos envolvidos em negócios especulativos. Bancos que, entre outras coisas, despejam pessoas.
Finalmente, o excedente orçamental: o que o governo pensa gastar com habitação, no verdadeiro investimento na vida e bem estar das pessoas, é muito inferior ao chamado excedente orçamental, anunciadamente de mais de 533 milhões[3]. Para cada 100€ de impostos cobrados, o excedente orçamental representa 1€ e o investimento em habitação representa 60 cêntimos.
A própria noção de excedente, é que se trata de uma sobra, que não é gasta por não ser necessária.
Foi o governo que há 2 anos fez um levantamento e descobriu que pelo menos 26 mil famílias vivem em situação de grave carência habitacional. Avaliação por baixo, dizemos nós. De lá para cá, a situação só se agravou. Como se pode considerar desnecessária a despesa com habitação? Se o Governo considerasse a habitação como importante e essencial na vida das populações, tinha-lhe reservado esse excedente. No mínimo.
[1] Proposta de Lei n.º 5/XIV, Orçamento do Estado para 2020. Mapa de alterações e transferências orçamentais, pag: 319.
[2] Proposta de Lei n.º 5/XIV, Orçamento do Estado para 2020, Artigo 6º.
[3] Entre 533 e 788 Milhões de Euros: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/13-jan-2020/excedente-orcamental-devera-ser-maior-do-que-diz-centeno-11698331.html