Ex.mas Senhoras
Secretária de Estado da Habitação
Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade
Secretária de Estado da Segurança Social
Encaminhamos aqui (ver abaixo) o último texto da Dulce Dengue, que como bem sabem, foi despejada do Bairro do Catujal em Março passado, e desde então tem vivido literalmente com a casa às costas.
A sua história, a nosso ver, ilustra bem o que temos vindo a alertar: não existem verdadeiras soluções de apoio social para pessoas que sofrem um despejo.
Gostaríamos de as convidar a analisar com atenção o mapa que construímos com os percursos da Dulce Dengue.
A deslocações diárias a que esta família se vê obrigada, é no nosso entender mais uma violência a que estão submetidas diariamente.
Estas 5 pessoas, quatro delas crianças pequenas, e todas as outras famílias que foram despejadas ilegalmente no Catujal, estão ainda a viver as consequências traumáticas da violência do despejo.
A solução encontrada pela Segurança Social, mesmo com a intervenção directa de V. Exas. não é aceitável nem suficiente, e não dignifica a luta incansável e corajosa destas famílias por um direito que deveria ser inquestionável, nem respeita os valores enunciados na Lei de Bases da Habitação.
Esta solução habitacional obriga a Dulce, na prática, a deixar de trabalhar e a ficar numa situação ainda mais precária.
Sobre estas famílias em concreto, perguntamos:
Deixamos também aqui a nossa preocupação em relação ao que sucede com as muitas famílias já despejadas, invisibilizadas e sem soluções habitacionais dignas.
Preocupa-nos a falta de articulação entre os diversos serviços estatais e as diferentes secretarias de estado, para dar respostas céleres e dignas a todas as famílias em risco de despejo.
Contamos com a vossa resposta.
Com os nossos melhores cumprimentos,
Habita!
Eu, Dulce Dengue, fui despejada no dia 1 de Março de 2021, despejada ilegalmente porque o meu senhorio foi a tribunal mentir que eu invadi uma casa apesar de eu ter contrato. Desde o dia 1 eu e as restantes familias despejadas no mesmo dia estivemos de um lado para o outro conforme a Seguranca Social arranjava alojamento para nós. No primeiro dia estivemos em um hostel no Estoril, no segundo dia fomos para um hostel em Vila Franca de Xira e ficamos por lá quase 3 meses, depois fomos todos separados, eu fui para uma residencial na Amadora e fiquei por lá praticamente 2 meses. Quando fomos para a Amadora as minhas filhas ainda estavam em aulas e foi disponibilizado um carro para levá-las e para pegá-las na escola devido à distância. O meu filho mais novo foi inscrito numa creche da Santa Casa na Amadora. Entretanto, fui novamente mudada, desta vez para Idanha. Eu tenho 4 crianças a meu cargo, as três mais velhas estudam na mesma escola, digam-me: com estas mudanças todas para qual escola eu iria transferir as minhas filhas? Eu fui a tribunal e provei perante o tribunal que não invadi casa alguma e estou à espera da resposta de um recurso que o senhorio colocou. A própria Segurança Social diz que só está à espera que voltemos para as nossas casas, como querem que eu faça uma transferência de escola para um sítio que eu não sei quanto tempo ficarei lá? Neste momento pedi auxílio a Segurança Social para a deslocação das meninas para a escola caso contrário eu teria de deixar de trabalhar para levá-las e ir buscá-las todos os dias e a única resposta que recebi é que eu deveria ter feito uma transferência de escola.
A questão é: mesmo fazendo a tal transferência, que eu não acho correto devido a todo trauma vivido pelas crianças nesse despejo, eu não teria como trabalhar porque o horário de entrada e saída das crianças não é compatível com o meu horário de trabalho. Como é que eu deixo 3 crianças na escola às 9h e levo a outra para Amadora (Vila Chã) e depois chego ao trabalho em Picoas onde entro as 9h??? A Segurança Social não tem pensado no trauma destas crianças no desenrolar destas mudanças todas e ainda querem que eu as transfira de escola. Vão perder a professora, os coleguinhas, para além de tudo que já perderam com este despejo, elas precisam de perder mais?
A filha da Ana Paula que também está em Idanha ganhou uma bolsa no Conservatório de Artes de Loures. Com uma transferência ela perderia esta bolsa. Nós temos de perder mais do que já perdemos?
Antes do despejo, eu contava com a ajuda da Ana Paula para levar as crianças à escola e eu ia trabalhar.
A Ana Paula sofre de obesidade, e toda a gente sabe os problemas que isso acarreta, sem contar que está quase sempre num estado de depressão, desde que fomos despejadas. Ela não pode e nem eu posso pôr essa responsabilidade em cima dela de levar e trazer as minhas filhas todos os dias. Eu e todas as outras famílias temos sido tratados como se tivéssemos cometido um crime e temos de ser punidas por isso. Mesmo que neste momento eu esteja alojada no abrigo em Idanha e tenha alimentação aqui, eu tenho dívidas de água, luz, NOS, para pagar. Tenho material das minhas filhas para comprar. Como é que faço tudo isso deixando de trabalhar?? Como é que mudo a minha situação se terei de deixar de trabalhar?? Estou a ser culpada por ser pobre??
A minha filha tranca a porta do quarto todos os dias à noite e me diz: Mamã, temos de trancar a porta para aqueles homens não nos tirarem daqui também. Tem 5 anos, podem perceber o estado psicológico desta criança? Conseguem entender que mudá-la de escola iria trazer consequências futuras nada favoráveis? A Segurança Social não deveria ter como principal interesse o estado destas crianças? Se eu deixar de levar as minhas crianças à escola, sou negligente, é acionada a CPCJ, mas acham perfeitamente normal uma mãe que mesmo trabalhando já se encontra em um estado grave de carência econômica deixar de trabalhar?
Habitação social não consigo porque me dizem em todo lado que não há casas, habitação no privado está impossível mesmo eu me matando de trabalhar. Eu não sei mais o que fazer.
Continuo a rezar por todos aqueles que conseguem pôr a cabeça na almofada e dormir tranquilamente sabendo que há pessoas a viverem como eu e os meus filhos, rezo por todos que podem ajudar mas não o fazem.
#oamorsalva
Obrigada,
Dulce Dengue