Lisboa, 17 de fevereiro — Uma família monoparental, com três crianças de idades compreendidas entre os oito e um anos, foi despejada em Loures, durante a manhã desta quinta-feira. A mãe, Jessica dos Santos, pediu várias vezes ajuda junto da Câmara Municipal — mas estes sucessivos pedidos foram negados com a justificação de a despejada, sendo imigrante, possuir uma autorização de residência temporária.
Assistentes sociais ameaçaram Jessica com a perda da guarda dos filhos, tendo-a pressionado a entregar as duas crianças mais velhas a uma tia do ex-marido, senhora idosa com quem não tem nenhuma relação. Acompanhada pelo filho mais novo e sem nenhuma alternativa de habitação, esta mãe foi encaminhada para uma pensão, mas foi-lhe dito que terá de pagar a estadia do próprio bolso com os parcos rendimentos que lhe restam, uma situação incomportável.
A discriminação de que esta família é alvo pela Câmara Municipal de Loures viola o artigo 4.º do Regulamento de Habitação do Município, aprovado pelo atual Presidente. Esta norma define a igualdade do acesso ao apoio no arrendamento, tanto para cidadãos nacionais como imigrantes. A situação de despejo tornaria a família facilmente elegível para habitação pública.
Acompanhando o caso, a associação Habita! avançou com uma queixa à Organização das Nações Unidas (ONU), acusando Portugal de violar a universalidade da habitação digna consagrada no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. A intervenção da ONU em casos semelhantes tem o precedente de obrigar o Estado português a fornecer alternativas de habitação para famílias em situação de efetiva carência habitacional.
“Este caso exemplifica como as soluções previstas na Lei de Bases de Habitação são palavras ocas. Teoricamente, uma família vulnerável, quando despejada, deve ser encaminhada para uma alternativa de habitação digna. Mas assistimos quase sempre ao contrário e à pressão para as pessoas desaparecerem para casa de alguém — o que desresponsabiliza o Estado. Às vezes, as soluções só aparecem após a intervenção da comunicação social e de entidades superiores. Nunca assistimos a um despejo em que seja assegurada a continuidade da vida das famílias com apenas um mínimo de sobressalto” — acusa Maria João Berhan, porta-voz da associação Habita!.
Natural de São Tomé e Príncipe, Jessica dos Santos reside em Portugal desde 2014, altura em que imigrou com o marido, trabalhando em limpezas por um salário muito abaixo do mínimo nacional, o que acabaria por vedar-lhe o acesso ao subsídio de desemprego. Em meados de 2020, o cônjuge abandonou a família e passou a descurar as suas responsabilidades parentais, o que resultou numa quebra de rendimentos que impossibilita a Jessica acartar com os custos de habitação atualmente praticados na área metropolitana de Lisboa.
Em agosto de 2021, no mesmo mês em que deu à luz o terceiro filho após uma gravidez marcada por complicações de saúde, esta mãe foi notificada para a situação de despejo, sendo-lhe negada uma alternativa habitacional. Em Portugal, a falta de investimento em habitação pública tem contribuído para que cada vez mais pessoas acabem sem casa, com a última estimativa do Governo revelando pelo menos 9 mil sem-abrigo a nível nacional.