Lisboa, 24 de fevereiro — Perseguições e ameaças pelo senhorio, contratos verbais sem recibos, cortes de água e de luz repentinos e rendas que duplicam durante o verão — são estas as condições em que vivem cerca de trinta agregados familiares há já vários anos em duas urbanizações ilegais no concelho de Lagos, no Algarve. Cerca de quinze habitantes são crianças menores de idade.
O problema tornou-se público em plena pandemia, precisamente em junho de 2020, quando os moradores pediram auxílio à associação Habita!. Enfrentando o desemprego resultante da escassez do turismo na época, estes inquilinos eram alvo de ameaças por parte do senhorio, que os tentava expulsar apesar da suspensão excecional dos despejos decretada pelo Governo. Sem qualquer aviso, acabariam ainda por ficar várias semanas sem acesso à água e a luz, cujos contratos estavam em nome do proprietário.
Até hoje, a situação irregular permanece e as práticas de assédio foram, entretanto, alargadas a mais habitantes. Uma das moradoras relata perseguições e uma vigilância hostil sistemática por uma funcionária do senhorio, juntamente com ameaças e ofensas à integridade moral perpetuadas por esta e um dos administradores. Várias vezes, o proprietário ou os seus representantes têm exigido, sem qualquer aviso, visitar subitamente estas casas, não respeitando os requisitos previstos na lei para a vistoria pelo senhorio, que deve respeitar a disponibilidade e o direito ao descanso do inquilino.
Por outro lado, prossegue a pressão para que habitantes destas urbanizações desocupem as suas casas. Após um dos inquilinos se ter ausentado durante alguns dias devido a um acidente grave e a complicações de saúde, os empregados do senhorio alegaram que este tinha desocupado o imóvel e deixado para trás o seu próprio carro como forma de pagamento. O proprietário recusa ainda fazer qualquer obra nos edifícios, mesmo quando as debilidades da construção colocam em causa o bem-estar dos moradores, que foram forçados a organizar-se para gerir de forma autónoma a manutenção das casas.
A proibição do assédio no arrendamento entrou em vigor em fevereiro de 2019, mas a prática ainda não é considerada crime, sendo apenas ilícita, sem agravamento penal. A Lei n.º 12/2019 define como assédio no arrendamento “qualquer comportamento ilegítimo praticado pelo senhorio que perturbe o arrendatário, sujeitando-o a ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo”. Contudo, a associação Habita! considera esta legislação deficiente — para além de colocar o ónus para o requerimento de providências no inquilino, é fácil a qualquer senhorio opor-se à injunção e boicotar o processo.
Conduta ilegal do proprietário é recorrente
A raiz do suplício destes inquilinos foi plantada muito antes. Construído para alojamento turístico, há mais de trinta anos que um dos prédios em questão está embargado, ficando encerrado durante metade deste tempo. O proprietário não possuía licença para esta construção, que foi realizada de forma ilícita. Após algumas obras de conservação, o edifício foi arrendado pouco antes da pandemia — de forma também ilegal, uma vez que o uso do terreno para estes efeitos estava interdito.
Outras propriedades do senhorio, o investidor imobiliário Palma-Lucas, estão na mesma situação irregular. O modus operandi é recorrente: inexistência de contratos e de recibos, com exigência de pagamentos em mão para fugir aos impostos, seguido de ameaças e tentativas ilegais de expulsão. As casas são arrendadas a famílias de trabalhadores precários em situações vulneráveis, que, em plena crise de habitação, não conseguem encontrar alternativa no mercado de arrendamento. A falta de contrato impede o acesso a apoios definidos pelo Estado, como a moratória no pagamento de rendas que vigorou durante a pandemia.
Uma das urbanizações, na Pérola do Oceano, já foi legalizada, mas o senhorio continua a não fazer contratos, a não pagar impostos e a perpetuar um clima hostil de assédio através dos seus funcionários. Os moradores defendem várias soluções possíveis junto do executivo camarário, como a tomada de posse pela Câmara Municipal, a inclusão da urbanização legalizada no Programa 1.º Direito, a imposição de novos termos ao senhorio ou simplesmente uma oferta de habitação social.
O executivo camarário, liderado pelo Presidente Hugo Pereira (PS) ignorou estas propostas e legitimou a conduta ilegal do proprietário, iniciando um processo de legalização que excluiu os contributos dos moradores. A associação Habita! responsabiliza a autarquia, que durante décadas fechou os olhos à ilegalidade das urbanizações e continua sem assumir a proteção clara e inequívoca dos moradores, deixando o proprietário sair ileso. Recusa ainda acionar mecanismos como o alojamento de emergência, que poderiam rapidamente corrigir a situação e salvaguardar a segurança destas pessoas.
Os inquilinos das urbanizações Pátio do Clube e Pérola do Oceano recusam sair das suas casas e exigem à Câmara Municipal de Lagos que intervenha. Preparados para continuar a sua luta, reivindicam um processo de legalização que não seja conivente e premeie ou legitime um senhorio que repetidamente pratica o bullying imobiliário e procura expulsar estas famílias, que têm o pleno direito de continuar a viver, trabalhar e construir dignamente as suas vidas na cidade.