A luta da Habita nos dias de COVID e mais além

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Habita!

Quando a pandemia começou há mais de um mês atrás, nós na Habita estávamos empenhadas numa grande batalha contra a Câmara Municipal de Lisboa para impedir os despejos da habitação social no bairro Alfredo Bensaúde. Ao nosso lado tínhamos os habitantes do bairro, muitas pessoas solidárias e, como sempre, as companheiras e os companheiros da Stop Despejos.

Enquanto notícias cada vez mais alarmantes vinham de Itália e se esperava uma quarentena geral por toda a Europa, assistimos com os nossos próprios olhos à brutalidade dos despejos da CMLisboa, que não hesitou em colocar na rua famílias inteiras, dezenas de crianças, idosos, mulheres grávidas, sem garantir qualquer alternativa de habitação. A pressão exercida sobre os órgãos de poder pelo movimento permitiu primeiro deter a vaga de despejos que o município pretendia efectuar, e depois que as famílias despejadas, que tinham acampado nos parques de estacionamento do bairro, fossem re-alojadas em apartamentos turísticos.

Tudo isto, para além de nos mostrar como a força popular pode e deve mudar o estado das coisas presentes, revela de uma vez por todas como quão fora de toda a lógica humana é o modus operandi das instituições e de todo o sistema no que respeita ao direito à habitação nos tempos do neoliberalismo tardio: um direito que, para aqueles que nos governam (e possuem casas com fartura), deve ser “merecido” pelas pessoas e deixado à auto-regulamentação do mercado.

Nós, perante o bloqueio geral iminente e os convites para ficar em casa, ficámos imediatamente preocupadas com todas aqueles que não têm casa para se refugiarem, com aqueles que não têm uma casa em condições dignas, com aqueles que vivem em sobrelotação, que vivem sob a ameaça do despejo. E isto não é porque somos dotados de espírito caridoso, mas porque essas pessoas somos nós. Habita é a sua assembleia de resistência, onde trocamos experiências, nos ajudamos uma às outras e lutamos por nós e pelos outros.

Por esta razão, muito antes da promulgação do estado de emergência, lançámos o manifesto “Como se faz quarentena sem casa”: uma série de medidas que incluem a suspensão imediata dos despejos, a suspensão do pagamento das rendas, a protecção económica de todos os trabalhadores precários, sem contrato, ou trabalhadores ocasionais: medidas que nos protegeriam das consequências nefastas da crise já em curso.

Tivemos de fechar a nossa casa, a Sirigaita, mas não nos esquecemos de nós próprios e da nossa gente. Com as devidas precauções ficámos nas ruas a realizar entrevistas, a denunciar injustiças, a participar na construção das muitas iniciativas de solidariedade que surgiram nos nossos bairros, na construção da nova voz rebelde da cidade: a Rádio Gabriela.

Tivemos de suspender as nossas assembleias e sentimos muita falta do contacto umas com as outras: conscientes da insubstituibilidade do estarmos juntas, de continuarmos a ajudar-nos umas às outras, criámos no facebook o Grupo de Resistência e Apoio Mútuo, onde continuamos a ouvir-nos e a desenvolver estratégias de luta.

Juntamente com a galáxia de pessoas e colectivos que compõem a Acção pela Habitação, com a qual era suposto irmos para a rua no dia 28 de Março, pintámos campanhas coloridas nas nossas janelas para que a mensagem que queríamos passar continuasse a fluir pelas ruas e muros da cidade: “Casas para as pessoas, não para o lucro!”. Será que o surto da epidemia convenceu até os mais relutantes da verdade deste slogan? Na dúvida, já sabem, nós continuamos a lutar.

Sabemos bem que a casa não é o único direito a ser posto em xeque pelo sistema e pelas suas crises: por isso aderimos à campanha Ninguém Fica Para Trás, com a qual colorimos janelas, viadutos, paredes e bombardeamos os órgãos de soberania com e-mails.

Sempre pensámos que os nossos problemas e sonhos não são apenas nossos, mas que são partilhados por pessoas de todo o mundo. É por isso que temos vindo a integrar a European Action Coalition for the Right to Housing and to the City há anos: com os nossos camaradas europeus temos trocado cenários, opiniões e práticas de luta que são e serão necessários nos próximos meses.

Um dos campos de batalha mais ferozes neste momento é certamente o do aluguer: como é que se pode continuar a pagá-los durante uma das maiores crises de sempre? É por isso que estamos a lidar com muitos sindicatos de inquilinos de todo o mundo, na coordenação do Tenants Solidarity Exchange: não deixar sozinha aquelas que não podem pagar e organizar inquilinos é um imperativo que estamos a seguir sem descanso.

Isto e muito mais, é o que fizemos até agora durante esta “quarentena”.

Estamos prontas: uma vez terminado o estado de emergência, para que não haja uma avalanche de despejos, para que as pessoas não sejam esmagadas pelas dívidas e para que a solidão e a fome não dominem, a partir de baixo devemos unir-nos, conspirar, derrubar as barreiras e procurar juntos o horizonte.

Já se ouve o bater das asas dos abutres capitalistas: mas a vitalidade de todos os movimentos vai empurrá-los para longe.

Não vamos pagar nós pela vossa crise.
Vemo-nos, em breve, na rua.
Para todas: tudo.